sábado, 25 de abril de 2009

Entrevista MV Bill


Você tem um histórico de atuação política, ainda que não partidária, através do hip hop, do envolvimento com a CUFA (que ajudou a fundar) e de seus filmes e livros. Acha que toda figura pública deveria ter esse tipo de compromisso? Conversa sobre isso com colegas artistas?

"Não necessariamente. Arte é arte, e deve se manifestar de várias formas. Cada artista tem sua missão, sua forma de contribuir com a sociedade através da sua arte. O Hip Hop é assim, faz política por convicção, o que está acontecendo é que temos a oportunidade de pautar outras formas de atuação do Hip Hop agora, na política formal. Mas a política pra nós é a essência do nosso movimento. Mas não critico os artistas cuja forma de expressão seja o entretenimento."

Qual foi o ponto de virada em sua vida? Qual foi o momento em que você percebeu que teria que assumir outras responsabilidades e dedicar parte de sua vida a um trabalho social?

"Minha vida vira a todo momento. Não é poesia não. Ela virou quando meus pais se separaram e eu tive que assumir a casa, trabalhando de marreco da sendas, virou quando eu resolvi fazer rap, virou quando eu conheci o Celso, depois quando eu gravei um disco, depois quando lancei o clipe Soldado do Morro. Bem, a virada mesmo acho que foi aqui, quando tive a casa sendo invadida pela policia civil e federal e, a partir daí, só houve problemas e confusão. Então resolvi surfar no olho do furacão. Trabalhar na vida social não foi uma escolha nem uma paixão, é simplesmente a minha vida cotidiana."

MV Bill esteve recentemente no Haiti.

Como é viver até hoje na Cidade de Deus?

"Nasci aqui e tenho trabalho aqui na Cufa e tenho meus grandes amigos aqui. Não sou escravo de discurso, vou sair da CDD quando achar que devo sair, ou então vou comprar um imóvel em outro lugar e viver nos dois lugares. Mas a Cidade de Deus é minha vida, onde vive minha família, onde eu sou mais feliz."

Há momentos em que tem vontade de se mudar?

"Sim, todos os dias. Só que eu sei que isso vai acontecer onde eu estiver. Então, quando tô boladão, deixo a vontade passar."

E o que te faz continuar morando lá?

"Tenho 50 respostas para essa pergunta, mas não estou convencido de nenhuma delas, então vou ficar te devendo essa."

Você acabou de voltar de uma viagem ao Haiti. O que mais te chamou atenção naquele país?

"O sorriso das crianças, elas parecem não ter idéia do tamanho da desgraça que eles estão vivendo que possivelmente vão viver."
"Queria abraçar cada soldado (da missão brasileira no Haiti) e seus familiares"

É possível fazer uma avaliação da missão das Nações Unidas (comandada pelo Brasil) lá?

"Eu precisaria de mais tempo pra isso, mas a missão passou a ser um orgulho pra mim. Enquanto as pessoas aqui ficam tentando desqualificar a missão, deveriam prestar mais atenção no impacto positivo que eles causam lá."
"Eu tive contato com o povo nas ruas, nas casas. Existem lá mais de 10 países, seja construindo hospitais, estradas, poços artesianos, formando policiais, distribuindo alimentos, formando profissionais. Enfim, não existe ocupação no Haiti, existe uma profunda intervenção inevitável."
"E, como negro hoje, tenho dois orgulhos: por ver que a ONU não virou as costas para aquela gente e por ver meu país, através das forças armadas (que eu sempre vi com reservas devido a herança do regime militar) ser reconhecido pelo povo fudido do Haiti. Queria abraçar cada soldado e seus familiares. Não quero perder capacidade de criticar, mas não posso ignorar o orgulho que senti por tudo que vi.

"Fonte: Celso Athayde CUFA-RJ